9 de dezembro de 2009

Bate-bate coração

Não teve quaisquer dúvidas que aquela insistência no olhar, aquele brilho no sorriso, a questionavam acerca da veracidade da sua sugestão em passar o resto da tarde a contemplar a vista do quarto. Afinal isso teria certamente muito maior interesse do que o congresso, para o qual se tinham dirigido, primeiro entusiasticamente, arrastando depois outros pensamentos, à medida que a hora se aproximava.

Nesse dia durante o almoço, como em tantos outros dias igualmente iguais, em circunstâncias não muito diferentes, foi assaltado por um desejo ardente de a beijar, esse ímpeto constante que o tempo o ensinara a controlar, agora melhor que sempre. Ou talvez não...

Habituara-se com o tempo àquelas provocações intermitentes, às suas palavras agridoces, aos seus olhares quentes e gestos frios, que ao longo dos anos nunca conseguiu compreender nem explicar, mas que naquele dia não se predispôs a interrogar, como se adivinhasse qualquer coisa de diferente.

Num impulso, ela levantou-se, levou a mala ao ombro e olhou à sua volta enquanto compunha o cabelo. A falsa serenidade que demonstrava o seu olhar saltitante fez-lhe de súbito perder a fome. Surpreendido pelo gesto acendeu um cigarro e depois ficou imóvel. Permaneceu sentado e calado, pousou as mãos sobre os braços da cadeira, num gesto hesitante, até que os olhares se cruzaram.

- Então, vamos!?, disse numa vaga interrogação enquanto se distraía a revoltar o interior da mala, numa ânsia de encontrar nela a coragem que lhe faltava para entrar na porta imediatamente ao lado.

Ela não lhe disse, ele nunca soube, mas naquela tarde solarenga acelerou-se-lhe o coração de tanto lutar pela purgação emocional.

Catarse Emocional www.fourhandsphoto.com

16 de novembro de 2009

Puxado a Vento


Abri a janela e o vento ensopou-me a alma. Ergui os braços e senti a eternidade do universo num abraço morno. Os dias de chuva também têm o seu encanto... É como se a água que cai nos elevasse ao melhor de nós e nos deixasse traçar a nossa própria marca de água no céu.

Quando o amor me inspira ao melhor de mim sinto-me... feliz. E hoje estou assim! Porque consegui arrancar ao sol um arrepio enquanto o vergava ao meu sorriso matinal. Quando tudo o que é maior e mais forte do que eu se une a cada célula do meu corpo, em uníssono, num grito mudo que se espalha por mim adentro e escorre pela rua... sinto-me... violentamente feliz.

Hoje escrevo o meu nome de alegria num horizonte de outono, puxado a vento e a chuva.

Apetecia-me ouvir isto. Alto. Muito alto. Tão alto que o volume do carro, estando no máximo, seria fraco para sentir a batida do ritmo em todos os meus órgãos. Fecho a janela para guardar em mim cada acorde. Nesse momento só me apetece levantar vôo. E por mais que acelere, a velocidade não acompanha a intensidade do compasso a penetrar-me a pele.

9 de outubro de 2009

Zela, por mim



Houve um tempo em que me acordavas de noite, com medo do escuro, para que eu fosse à tua frente e esperasse por ti na casa de banho. E eu lá ía, orgulhosamente à frente, com o urso preto elevado às batidas do meu coração, como se fosse muito valente...

Bebíamos Pisang Ambon porque nos sabia a xarope e a cor era linda, ríamos até à exaustão ao escorregar com o rabo sob as almofadas nas escadas de mármore enceradas e fingíamos estar a dormir quando a mãe aparecia de repente. Coleccionávamos borrachas com cheirinhos deliciosos, assaltámos a arca dos gelados, e fomos cúmplices na partilha de segredos enterrados. Dormíamos juntas, tomávamos banho em conjunto e tínhamos um sonho em comum... ou vários. Falávamos de tudo e continuamos a falar.

Mordi-te um dedo, quase te furava um tímpano e dei-te um nome que ninguém sabe pronunciar como deve ser. Se calhar, tens sido melhor para mim do que eu para ti. Tens estado sempre presente nos momentos mais marcantes da minha vida. Talvez eu não cuide tão bem de ti.

Desde que vi o Rachel Getting Married que sinto o coração a transbordar de vontade de partilhar contigo o mesmo sentimento de "amor incondicional" entre irmãs que o filme enaltece. Sinto vontade de te dizer: És minha irmã e amo-te. Por isso tenho guardado esta música, como se fosse preciso um momento especial para dizer que te adoro.

E se eu precisar do teu enorme urso amarelo, para que não tenha medo de avançar, no escuro... Podes ir à minha frente?



21 de julho de 2009

Sentidos


Todos os sentidos são importantes. A sensação de não conseguir eleger o mais importante é tão desconcertante quanto a indecisão com que me deparo, se pensar em abdicar de um deles. Olfacto, tacto, audição, visão e paladar estão intimamente relacionados entre si, e fazem mais sentido assim, como um todo indissociável.

O olfato é um dos sentidos mais interessante do meu corpo. Graças a ele sou capaz de fazer uma espécie de arquivo associativo. Essa espécie de registo é capaz de me levar às mais variadas lembranças. Aquele bálsamo da sombra das figueiras ao chegar à Prainha, o cheirinho único dos meus filhos à nascença, a fragância do ar e da terra nas primeiras chuvas, o odor que as linhas férreas exalam após a passagem do combóio, o aroma de uma comida ou algum perfume que ficou gravado na minha mente, são verdadeiras tatuagens no meu espírito. Tratam-se de verdadeiras marcas e, sempre que as sinto, fazem-me mergulhar num mar de lembranças, trazendo recordações de pessoas ou de momentos, sejam eles bons ou maus.

Depois há o nosso próprio perfume, os odores corporais de cada um, um cheiro que só a nós pertence, distinto e único, que não se repete em mais ninguém, e que vai muito além de uma sociedade "desodorizada". Recorremos, no entanto, a produtos de higiene que transformem os nossos (maus) cheiros em sensações agradáveis. O ritual matinal de me perfumar após o banho, na medida proporção do meu gosto - nem em falta, nem em demasia - assume uma magia inexplicável.

Traduzir para imagens uma série de sensações olfactivas (e não só), e conseguir manter toda a sensualidade resultante desse segredo lendário -perfume- num pequeno filme publicitário, só poderia ser feito por alguém que conhece bem a sétima arte.




Coração Feliz

Acredito ter encontrado as essências que se colam perfeitamente à minha pele, que combinam com a minha personalidade, elevando o meu aroma natural. Celebro essa química como se de uma verdadeira cerimónia se tratasse. É a liturgia do amor-próprio olfactivo, ou não fosse
o Happy Heart o meu perfume perfeito.
Mas é muito uma questão de pele. É aqui que entra o tacto.

Muitas vezes enaltecido por uma l'
eau de parfum, um ser perfumado toca, apesar de tudo, todas as coisas com os seus dedos de energia. A luz que emanam gera reacções primitivas e não racionais de atracção ou repulsa. É uma questão de pele. Ao seu lado, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atracção que nos move não passa só pelo corpo, corre nas veias.

Acredito que há almas perfumadas. O meu filho é a prova disso. Cheira a sol de manhã, a flores quando ri e a céu estrelado quando, à noite, se vem deitar comigo. Ao seu lado, saboreio a delícia do toque suave que sopra no meu coração a sua presença. Os sentimentos que aquelas mãozinhas tranportam, no tactear da cama em busca do meu corpo, também têm cheiro. Esse toque encerra em si um silêncio, apenas quebrado quando encontra o meu peito.

Ama-se pelo cheiro, pelo toque da pele, pelo tom de voz, pelo olhar inquietante, pelo gosto do beijo, pela paz que o outro nos dá, ou pelo tormento que nos provoca. Amo justamente pelo que o amor tem de indefinível.

10 de julho de 2009

sinto, logo... Vivo!

Acordei com medo. E se eu tiver chegado a um ponto em que perdi o sentido da vida? Assustou-me ainda mais pensar que, ainda que um propósito final existisse, ou uma acérrima convicção religiosa o justificasse, isso não me satisfaria plenamente.

O esvaziar de objectivos claros e concretos, faz-me sentir meio perdida. Estagnada face aos caminhos, desmotivada quanto a rumos futuros. Cresci estabelecendo metas, contornando obstáculos e imprevistos que, quero acreditar, pudessem levar-me à felicidade. E quando dei conta, sentia uma espécie de vazio, de acomodação ao que conseguira alcançar, de cansaço, de ingratidão. Como se tudo dependesse do meu brilhante desempenho. Será nisto que a psicoterapia -de que a Dra. Margarida falava- poderia fazer algo por mim? O que quereria ela dizer com "há aí muita pedra para partir"?...

Naquele dia, não percebi o alcance daquelas duras palavras. Dentro de mim, sentia porém a vida a pulsar noutro tempo, noutro lugar. Fiquei com a sensação de caminhar sem bússola. Era a Sissi que queria ser médica, artista, pintora, cantora... Visualizei tudo aquilo que queria ter sido e não fui. Apeteceu-me permanecer em
off durante tempo indeterminado. Precisei de me reprogramar. Há coisas que preciso de desculpar em mim e aceitar ser desculpada.

Dei por mim a pensar: o sentido da vida é redescobrir o prazer de viver. Nunca porei termo ao eterno desassossego da alma. Se é isso que me faz feliz. Mudar de vida porquê? E no entanto, adormeço com tanto medo.

17 de junho de 2009

À pesca de um Santo

A lembrança mais viva que guarda dos festejos dos Santos Populares no Algarve, é o tom de voz com que a mãe criticava o facto de sair de casa, de banho tomado, toda perfumada, com roupa lavada e a farpela criteriosamente escolhida para ir "saltar à fogueira". Naquele tempo, não tinham o mesmo entendimento acerca daquele acontecimento.

Para ela, a importância daquele evento só tinha comparação com a actuação do Rancho Foclórico do Calvário na Bemposta, e fora superada, uma única vez, pelo desempenho de um circo familiar cuja actuação a deixara a sonhar durante largos meses... No entanto, não fazia ideia do que tratava aquela época festiva... teria uns 7 anos, e não quis saber, não questionou nem tentou perceber o significado da tradição popular. O Algarve nem Santo tinha! Em 2010 quer ir à Avenida da Liberdade ver o desfile das marchas de Lisboa, e recuperar tudo o que nos anos já passados, por uma razão qualquer, perdeu.

Mas recorda a sensação da onda de calor crescente, à medida que se aproximava do momento do salto, o cheiro do alecrim queimado, e ainda retém rostos desfocados mas sorridentes, iluminados em redor do fogo, a cantar. Depois voltava a casa, silenciando os grilos com a sua passagem. Tinha a pele suada, os pés sujos de terra e marcados pelas tiras plásticas das Colibri (que ainda assim emanavam um delicioso cheirinho a baunilha). O odor a fumo entranhado no cabelo invadia-lhe a almofada e, com o refrão da música "S. João, S. João, S. João..." que ecoava em si, adormecia.





Outra Gaivota

Reparo agora que nunca procurei entender a dimensão dessas festas. Já em Lisboa, nunca as celebrei, certamente mais rendida ao snobismo do que propriamente por coincidir com a época de exames universitários mais exigente.

Hoje já não cedo à tentação do preconceito de "não gostar de certas coisas". Sardinhas, caracóis, fado, arraiais e bailaricos? Sempre gostei!

Já com a música portuguesa, as coisas não são tão lineares... Gosto de ouvir de tudo um pouco, mas reconheço que estamos numa fase muito fértil, surgem bandas inovadoras, velhos êxitos são revestidos de uma roupagem diferente, muitas vezes surpreendente. Nem de propósito, hoje, quando ouvi a nova versão da "Gaivota" da Amália, senti-me renascer.

No próximo ano, deixarei de me sentir nostálgica face ao que não vivi. Como qualquer alfacinha, partirei numa algazarra colorida, em busca do meu santo. Até lá, vou ouvindo o pipilar desta gaivota.

27 de abril de 2009

À espera


O corpo não me tem pedido para escrever. À noite, quando o silêncio finalmente se instala, deixo-me envolver pelo cansaço, fecho os olhos e adormeço. E aí fico, dentro do frio que me envolve por dentro, encolhida e frágil à espera que chegue o momento. Chegará o instante, pensava eu...

Mas o silêncio de esperar inquieta-me a alma e, às vezes, quando acordava ou o sono se diluía em exercícios mentais mais ou menos conscientes, sentava-me à secretária para acertar contas com o tempo. Não me lembro ao certo dos pensamentos que tinha, mas a verdade é que, assim que acordava, pensava em ti. Depois, aí ficava, com o olhar fixo em nada, como se estivesse fixo num horizonte. Inerte e indiferente à passagem dos segundos, dos minutos, das horas.

Naquelas noites o corpo pedia silêncio e que apenas deixasse o tempo passar. Eu cedi. Fiz-lhe a vontade. E não me vieste visitar. Hoje tenho um corpo que não se cala, ainda que eu o silencie. Trago uma canção no corpo, devia ser pra ti.

20 de abril de 2009

Amor numa gaiola

Há pássaros que querem levantar voo, e não conseguem. Não estão presos, o céu está livre, nada os impede de voar. Mas ficam parados, como se não tivessem asas, ou a terra os hipnotizasse. Não precisam de gaiola; podemos abrir portas e janelas: o seu lugar é onde estão, e hão-de ficar.

Mas os dedos que tocam o seu corpo frágil sentem uma hesitação; e os olhos que os fixam adivinham o desejo de se libertarem. Porém, estão imóveis. São os pássaros que não conhecem Outono nem Inverno, os que não sabem para que lado fica o horizonte, os que nunca roçaram o dorso das nuvens.

Tenho estes pássaros na cabeça; e mesmo quando lhes abro o campo do poema, não saem de dentro de mim, ensinando-me o seu canto. Hoje, como naquele tempo, continuo a não entender. E mais prisioneira me torno. Como pode o amor trair o amor? Engaiolei-me nessas grades invisíveis, numa espécie de sintonia de equilíbrio, desiquilibrado.

Ser livre? Em sonhos, talvez...

17 de abril de 2009

Physalis


"Amour en cage" é um dos nomes pelo qual é conhecido o Physalis, um fruto exótico, originário da América do Sul. O fruto encontra-se protegido por uma corola que depois de seca apresenta um aspecto rendilhado, como se fosse uma gaiola no centro da qual aparece a pequena baga alaranjada.

É um fruto pequeno, delicado e redondo, tem a textura de um tomate e um sabor levemente adocicado, levemente ácido. Aprendi a gostar do seu sabor ainda não o tinha provado... foi num restaurante elegante qualquer, onde o serviram coberto de chocolate... ou será que sonhei? Acho que foi amor à primeira vista.

No Brasil o Physalis é utilizado como tira-gosto em degustações de vinho. Mas o alto teor de vitaminas A, C ferro e fósforo conferem-lhe propriedades medicinais importantes como purificar o sangue e fortalecer o sistema imunológico. Chamam-lhe camapum, joá-de-capote, saco-de-bode, bucho-de-rã, bate-testa e mata-fome. Mas mesmo assim, é impossível resistir-lhe.

Eu chamar-lhe-ía fruto da paixão.

O Fartura


Naquela altura íamos a pé com a avó, das Sobreiras à Bemposta, para lhe ir levar o almoço: cozido de grão, "jantarinho" de feijão com arroz, carapaus alimados, peixe frito com molho de tomate e pimentos, sempre acompanhados com toscas fatias de pão, cortadas com um canivete do qual nunca se separava. A ementa era pobre, pouco variada, e nunca contemplava os seus pratos favoritos por serem necessariamente feitos "na hora": arjamolho, papas de milho (do caldo do peixe ou da caldeirada) e açorda da água do bacalhau. Tenho saudades de saborear estes pratos, com aquele gosto que só ele lhes sabia dar.

Tirava a boina e sacava o lenço para limpar as gotas de suor da cara, antes de nos beijar. Depois sentava-se com os outros homens, fazia uma careta ao farnel, comia, bebia vinho e brindava assim:

"Eu bebo este copinho,
E digo com muita alegria,
Viva a real sociedade,
E os que estão em sua companhia!"

"Eu bebo este copo de vinho,
E digo com satisfação,
Viva o António Nascimento,
E todos os que aqui estão!"



Recordo com ternura as marcas do tempo, na pele exposta ao vento do Inverno e à torreira do sol no Verão. Lembro-me do seu caminhar, num gesto decidido e apertado atrás da máquina de cortar a relva, e retenho fresco aquele cheiro "a verde", da relva acabadinha de cortar. Ainda sinto o odor adocicado das esteiras, (naquelas noites de um calor sem igual), orgulhosamente feitas à mão, por umas mãos secas e ásperas, símbolo de anos de trabalho árduo.

Nos desacatos com a avó, soltava para o ar uns "Tal tá a porra, heim!?" e outros "Ah, fado dum cabrão!" enquanto descascávamos favas, partíamos amêndoas, britávamos azeitonas , ou depenávamos passarinhos. Mas tinha um coração enorme e, apesar de não ser do género de andar sempre aos beijinhos, tinha no olhar um brilho indescritível quando nos presenteava. Os presentes que recordo com maior carinho são uns patins, (devia eu ter uns três anos) e o órgão que orgulhosamente me ouvia tocar no "Faducho".

Depois veio a fase dos problemas de saúde. A sensação impotente de o vermos entre os hospitais de S. José, Santa Marta, Santa Cruz e o do Barlavento Algarvio, remetem para as recordações menos boas, mas levam-me a adorá-lo ainda mais, pelo homem que era.
- Vai com cautela, filha. Dizia, (quando conseguia falar), ao mesmo tempo que se emocionava com a minha partida.

Há três anos atrás, no Domingo de Páscoa, não chegámos a ver o sorriso comovido e contente que esboçava, quando eu e a minha irmã o "obrigávamos a pagar contratos". À semelhança dos anos anteriores, recebemos um pacote de amêndoas tipo francês, adquiridos com muito amor na mercearia do Sr. João. Nesse dia, o relógio do avô Fartura esperou por nós para parar. Este ano já não recebemos as "páscoas" como antes.


15 de abril de 2009

Palavras para quê!

Não ando a dormir bem. Às vezes tenho a sensação que não devia publicar emoções que vivem em surdina. Outras vezes penso que deveria pintar numa tela os sentimentos agridoces que habitam o meu democrático coração. Isto de querer ser exactamente aquilo que a gente é há de nos levar a algum lado, digo eu...

A mim leva-me sempre às minhas origens, aos encantos dos recantos da terra onde nasci, e que avisto da "ponte nova" com uma vaidade crescente cada vez que lá vou.

Mas depois, cada vez que regresso a Lisboa me sinto mais entregue à grande cidade. Como se também aqui tivesse criado raízes, já que aqui tenho vivido.

E tenho medo de já não saber onde pertenço. Fico meio perdida no meio dos meus sentimentos. Em silêncio.

Os olhos falam. Muitas vezes gritam. Às vezes é necessário não olhar para não revelar segredos. Outras quero mais e mais porque a isso me obriga o ritmo do meu próprio pulso. Há sempre uma mensagem que só ouve quem deseja ouvir. E no entanto, sabe-me a pouco... Hoje preciso mesmo de desabafar. E não há palavras que cheguem. Vá-se lá me entender! Não é fácil.

Vida, leva eu...



Gosto disto de se puder usar tudo. Não tenho um estilo definido. Sou assim com tudo. Gosto de escolher o que me apetece, o que melhor combina com o meu estado de espírito. Sabe-me a liberdade. De vez em quando tenho vontade de não ceder à tentação de fazer o que realmente desejo num determinado momento.

Aí, "deixo a vida mi levárr".

5 de abril de 2009

In Love with...

Foi o que aconteceu quando me apresentaram a Zilian e me puseram perante um dilema de 400 m2 de sapatos de salto alto, rasos, com cunha, abertos, fechados, bicudos, redondos, sandálias, botas, chinelos e ténis. Basta espreitar a montra para vozinhas demoníacas começarem a ecoar dentro do cérebro e a empurrar-nos lá para dentro. A loja é enorme, tem um conceito original e uma relações públicas carioca que, além de simpática, demonstrou um profissionalismo e sentido comercial fora de série. Um verdadeiro cocktail que apela ao consumo não só pelo aparente equilíbrio entre qualidade, design e preço mas acima de tudo pela atitude irreverente, positiva, alegre e apaixonada. Não pude resistir a sair de lá mais leve!

"Os portugueses têm muito que aprender com os brasileiros" - disse eu à Fernanda, deixando transparecer o carinho que tenho por aquele povo que está "de bem com a vida", apesar de tudo. Se calhar o inverso também é verdade, mas não posso deixar de sentir uma certa inveja por não sermos capazes de nos exprimirmos da mesma maneira que eles, sem as expressões que só com sotaque brasileiro fazem sentido.

Acho que aprendi realmente a viver com umas caipirinhas que bebi. Deram-me uma alma brasileira da qual já não abdico. Antes só "viajava na maionese". Agora sabe-me bem ouvir o fado assim, em português do Brasil, e cantá-lo com um sorriso nos lábios ainda que os olhos teimem em fechar.

3 de abril de 2009

Sapatos


Esboço sempre um sorriso quando penso no "Livro do Bebé" imaculadamente guardado em casa da minha mãe, junto a uma série de albuns fotográficos, autênticas relíquias nos dias que correm. Ajudam-me a avivar algumas lembranças da minha infância, verdadeiros tesouros, quando comparados com o que vou anotando em livros similares.

Ali pode ler-se por exemplo, que os meus brinquedos favoritos ainda antes do primeiro ano de vida eram: sapatos e a caixa de ferramentas. Não sei explicar a origem de tal preferência, mas se é verdade que com o passar dos anos as "ferramentas" foram dando lugar a acessórios da mais variada índole (culinários, de limpeza, de moda, beleza, médicos, terapêuticos) já o mesmo não se pode dizer relativamente aos sapatos. Essa paixão permanece e está para durar.



Não me considero uma fashion victim, uma esbanjadora ou uma consumista nata, mas a verdade é que sou capaz de resistir a tudo em termos de moda excepto a um par de sapatos que me encha as medidas. Sou uma observadora particularmente atenta ao tipo de calçado que as pessoas usam, e acredito que ele revela muito do carácter e personalidade de cada um.

No topo das minhas preferências estão: botas e sandálias. Elas assumem o meu elo de ligação à esfera terrestre, o principal ponto de contacto com o solo e, nunca é demais relembrar que apesar de tudo, bem ou mal, também os meus pés assentam no chão! De salto alto, bem alto de preferência, a cabeça fica ainda mais perto das nuvens, e assumo aqueles centímetros que a natureza teimou não me dar, como se da minha própria medida se tratasse. Não que seja baixa para a média, mas confesso, queria tanto ter crescido só mais 5 cm!

30 de março de 2009

E o que é que para mim é fácil?

Há muitos dias que me andava a apetecer aquela pizza... Hoje resolvemos fugir do "Baratinhas" e afins. Apetecia-me caprichar de frente para um mar imenso tão agitado e irrequieto por fora quanto eu por dentro. Decidimos então partir à descoberta da tão requisitada sangria cor-de-rosa e que me soube maravilhosamente. Fresca, revelou-se uma agradável surpresa, na perfeita proporção do aroma sedutor da fruta açucarada com um travo a vinho rosé pouco estruturado. Cada trago transportava-me para uma dimensão de "apetece-me ficar já aqui..." combinações perfeitas a que cada vez mais dificilmente consigo resistir.

No regresso pela marginal dei comigo a pensar que a inspiração surge de forma natural, atendendo às coisas simples do quotidiano. E daquele silêncio apenas retive uma ideia. Há coisas que vão mudando com o passar do tempo, com a idade, com a vida. Outras permanecem.

Não consigo deixar de ficar atenta a quem na mesa rejeita a opção de beber o café com açucar. Institivamente faço a recolha dos pacotinhos inutilizados para dentro do meu saco. Assim não tenho de ouvir o meu pai a reclamar do tamanho do açucareiro.

Ah!... e a minha cor preferida continua a ser o rosa. Não um rosa qualquer, mas "aquele rosa". Vêem o que para mim é fácil?

28 de março de 2009

"S" de Sete



Todos os anos naquela altura espreitava o único "Diário da Minha Gravidez" que tinha. Revivia aqueles e outros momentos da sua tenra infância num misto de saudade e tristeza. Pensava no que já haviam passado juntas. Quanto contribuíra para que descobrisse uma força interior incrível! Pensava no apoio que lhe dera no dia-a-dia para vencer as adversidades da vida por muito duras e injustas que elas fossem. Emocionava-se.

A maternidade era para ela uma dádiva enorme, um estado de felicidade que a acompanharia para sempre. E no entanto sentia saudades da pequena filha que lhe cabia no colo.

Como não amar os filhos que são uma parte de nós próprios?
Há no sorriso da minha flor todas as riquezas do mundo.
Apetece-me acordá-la e dizer: "Amo-te muito Margarida".

27 de março de 2009

Perder peso por dentro


"Está mais magra!" - todos lhe dizem...
Algumas anseiam perguntar qual a milagrosa "receita" para manter a linha. Outros temem que esteja doente, comentam que talvez se tenha divorciado, que seja depressão, imaginam que tenha recorrido a uma banda gástrica e até há, certamente, quem equacione que tenha optado por um by-pass!

Ser mãe de 3 filhos e ter invejável silhueta, (ainda mais com o que como) faz-me perder peso por fora, mas sobretudo fez-me perder peso por dentro. Perder peso por dentro é escolher entre o que nos faz bem e nos torna mais leves ou o que nos pesa como um fardo. A "dieta espiritual" ajuda a limpar os resíduos que vão ficando acumulados dentro de nós. Torna-nos mais leves. Liberta-nos.

Verdade seja dita, já lá vão alguns anos desde que vi um "5" na balança pela última vez! A elegância também é fruto da leveza com que caminhamos. Não será a beleza também sinónimo de felicidade e vice-versa?

Sei porque sinto que a sensação de bem-estar, a alegria de viver, o equilíbrio, a estima que temos por nós são muitas vezes a causa de nos sentirmos mais belos, desejados e amados.

Este pode ser só mais um passo no caminho da tão desejada felicidade.

26 de março de 2009

O Segredo


Todas as mulheres têm segredos. Há quem passe a vida a tentar descobrir onde é que eles se escondem. Imaginam uma vida secreta e amores ilícitos, histórias de uma existência paralela e gavetas que escondem brinquedos sexuais. E, na maior parte das vezes, não são tão interessantes como gostaríamos que fossem...

Para muitas de nós , o segredo mais escondido das nossas vidas relaciona-se com o nosso corpo e com fragilidades ligadas à vaidade. O nosso corpo continua a ser a nossa prisão, a nossa moldura e, para muitas mulheres a razão e a base da sua identidade. Não me excluo deste retrato patético. O segredo mais escondido para grande parte das mulheres está na sua lingerie.

Um século de luta pela emancipação feminina para chegarmos a isto: soutiens almofadados e cintas secretas!?... Pois eu tenho um blogue!

Sempre gostei de escrever e aqui posso fazê-lo livremente. A verdadeira liberdade é perceber que onde quer que estejamos, estamos de passagem, seja neste emprego, nesta relação, neste corpo, nesta vida ou neste mundo.

"Eu não sou nenhuma santa", serve também para me sentir mais livre e feliz. Esse é um dos meus segredos. Mas há mais...

25 de março de 2009

Simplesmente Mulher

Tantas, sou só uma e sou tantas
Sou devassa e sou santa
Recatada e vulgar

Louca, tão centrada e tão louca
Degustando em tua boca
As delicias de amar

Me respeita e me abusa
Me ame como quiser
Simples demais ou confusa

Sou simplesmente mulher

(Silvia Machete)