27 de abril de 2009

À espera


O corpo não me tem pedido para escrever. À noite, quando o silêncio finalmente se instala, deixo-me envolver pelo cansaço, fecho os olhos e adormeço. E aí fico, dentro do frio que me envolve por dentro, encolhida e frágil à espera que chegue o momento. Chegará o instante, pensava eu...

Mas o silêncio de esperar inquieta-me a alma e, às vezes, quando acordava ou o sono se diluía em exercícios mentais mais ou menos conscientes, sentava-me à secretária para acertar contas com o tempo. Não me lembro ao certo dos pensamentos que tinha, mas a verdade é que, assim que acordava, pensava em ti. Depois, aí ficava, com o olhar fixo em nada, como se estivesse fixo num horizonte. Inerte e indiferente à passagem dos segundos, dos minutos, das horas.

Naquelas noites o corpo pedia silêncio e que apenas deixasse o tempo passar. Eu cedi. Fiz-lhe a vontade. E não me vieste visitar. Hoje tenho um corpo que não se cala, ainda que eu o silencie. Trago uma canção no corpo, devia ser pra ti.

20 de abril de 2009

Amor numa gaiola

Há pássaros que querem levantar voo, e não conseguem. Não estão presos, o céu está livre, nada os impede de voar. Mas ficam parados, como se não tivessem asas, ou a terra os hipnotizasse. Não precisam de gaiola; podemos abrir portas e janelas: o seu lugar é onde estão, e hão-de ficar.

Mas os dedos que tocam o seu corpo frágil sentem uma hesitação; e os olhos que os fixam adivinham o desejo de se libertarem. Porém, estão imóveis. São os pássaros que não conhecem Outono nem Inverno, os que não sabem para que lado fica o horizonte, os que nunca roçaram o dorso das nuvens.

Tenho estes pássaros na cabeça; e mesmo quando lhes abro o campo do poema, não saem de dentro de mim, ensinando-me o seu canto. Hoje, como naquele tempo, continuo a não entender. E mais prisioneira me torno. Como pode o amor trair o amor? Engaiolei-me nessas grades invisíveis, numa espécie de sintonia de equilíbrio, desiquilibrado.

Ser livre? Em sonhos, talvez...

17 de abril de 2009

Physalis


"Amour en cage" é um dos nomes pelo qual é conhecido o Physalis, um fruto exótico, originário da América do Sul. O fruto encontra-se protegido por uma corola que depois de seca apresenta um aspecto rendilhado, como se fosse uma gaiola no centro da qual aparece a pequena baga alaranjada.

É um fruto pequeno, delicado e redondo, tem a textura de um tomate e um sabor levemente adocicado, levemente ácido. Aprendi a gostar do seu sabor ainda não o tinha provado... foi num restaurante elegante qualquer, onde o serviram coberto de chocolate... ou será que sonhei? Acho que foi amor à primeira vista.

No Brasil o Physalis é utilizado como tira-gosto em degustações de vinho. Mas o alto teor de vitaminas A, C ferro e fósforo conferem-lhe propriedades medicinais importantes como purificar o sangue e fortalecer o sistema imunológico. Chamam-lhe camapum, joá-de-capote, saco-de-bode, bucho-de-rã, bate-testa e mata-fome. Mas mesmo assim, é impossível resistir-lhe.

Eu chamar-lhe-ía fruto da paixão.

O Fartura


Naquela altura íamos a pé com a avó, das Sobreiras à Bemposta, para lhe ir levar o almoço: cozido de grão, "jantarinho" de feijão com arroz, carapaus alimados, peixe frito com molho de tomate e pimentos, sempre acompanhados com toscas fatias de pão, cortadas com um canivete do qual nunca se separava. A ementa era pobre, pouco variada, e nunca contemplava os seus pratos favoritos por serem necessariamente feitos "na hora": arjamolho, papas de milho (do caldo do peixe ou da caldeirada) e açorda da água do bacalhau. Tenho saudades de saborear estes pratos, com aquele gosto que só ele lhes sabia dar.

Tirava a boina e sacava o lenço para limpar as gotas de suor da cara, antes de nos beijar. Depois sentava-se com os outros homens, fazia uma careta ao farnel, comia, bebia vinho e brindava assim:

"Eu bebo este copinho,
E digo com muita alegria,
Viva a real sociedade,
E os que estão em sua companhia!"

"Eu bebo este copo de vinho,
E digo com satisfação,
Viva o António Nascimento,
E todos os que aqui estão!"



Recordo com ternura as marcas do tempo, na pele exposta ao vento do Inverno e à torreira do sol no Verão. Lembro-me do seu caminhar, num gesto decidido e apertado atrás da máquina de cortar a relva, e retenho fresco aquele cheiro "a verde", da relva acabadinha de cortar. Ainda sinto o odor adocicado das esteiras, (naquelas noites de um calor sem igual), orgulhosamente feitas à mão, por umas mãos secas e ásperas, símbolo de anos de trabalho árduo.

Nos desacatos com a avó, soltava para o ar uns "Tal tá a porra, heim!?" e outros "Ah, fado dum cabrão!" enquanto descascávamos favas, partíamos amêndoas, britávamos azeitonas , ou depenávamos passarinhos. Mas tinha um coração enorme e, apesar de não ser do género de andar sempre aos beijinhos, tinha no olhar um brilho indescritível quando nos presenteava. Os presentes que recordo com maior carinho são uns patins, (devia eu ter uns três anos) e o órgão que orgulhosamente me ouvia tocar no "Faducho".

Depois veio a fase dos problemas de saúde. A sensação impotente de o vermos entre os hospitais de S. José, Santa Marta, Santa Cruz e o do Barlavento Algarvio, remetem para as recordações menos boas, mas levam-me a adorá-lo ainda mais, pelo homem que era.
- Vai com cautela, filha. Dizia, (quando conseguia falar), ao mesmo tempo que se emocionava com a minha partida.

Há três anos atrás, no Domingo de Páscoa, não chegámos a ver o sorriso comovido e contente que esboçava, quando eu e a minha irmã o "obrigávamos a pagar contratos". À semelhança dos anos anteriores, recebemos um pacote de amêndoas tipo francês, adquiridos com muito amor na mercearia do Sr. João. Nesse dia, o relógio do avô Fartura esperou por nós para parar. Este ano já não recebemos as "páscoas" como antes.


15 de abril de 2009

Palavras para quê!

Não ando a dormir bem. Às vezes tenho a sensação que não devia publicar emoções que vivem em surdina. Outras vezes penso que deveria pintar numa tela os sentimentos agridoces que habitam o meu democrático coração. Isto de querer ser exactamente aquilo que a gente é há de nos levar a algum lado, digo eu...

A mim leva-me sempre às minhas origens, aos encantos dos recantos da terra onde nasci, e que avisto da "ponte nova" com uma vaidade crescente cada vez que lá vou.

Mas depois, cada vez que regresso a Lisboa me sinto mais entregue à grande cidade. Como se também aqui tivesse criado raízes, já que aqui tenho vivido.

E tenho medo de já não saber onde pertenço. Fico meio perdida no meio dos meus sentimentos. Em silêncio.

Os olhos falam. Muitas vezes gritam. Às vezes é necessário não olhar para não revelar segredos. Outras quero mais e mais porque a isso me obriga o ritmo do meu próprio pulso. Há sempre uma mensagem que só ouve quem deseja ouvir. E no entanto, sabe-me a pouco... Hoje preciso mesmo de desabafar. E não há palavras que cheguem. Vá-se lá me entender! Não é fácil.

Vida, leva eu...



Gosto disto de se puder usar tudo. Não tenho um estilo definido. Sou assim com tudo. Gosto de escolher o que me apetece, o que melhor combina com o meu estado de espírito. Sabe-me a liberdade. De vez em quando tenho vontade de não ceder à tentação de fazer o que realmente desejo num determinado momento.

Aí, "deixo a vida mi levárr".

5 de abril de 2009

In Love with...

Foi o que aconteceu quando me apresentaram a Zilian e me puseram perante um dilema de 400 m2 de sapatos de salto alto, rasos, com cunha, abertos, fechados, bicudos, redondos, sandálias, botas, chinelos e ténis. Basta espreitar a montra para vozinhas demoníacas começarem a ecoar dentro do cérebro e a empurrar-nos lá para dentro. A loja é enorme, tem um conceito original e uma relações públicas carioca que, além de simpática, demonstrou um profissionalismo e sentido comercial fora de série. Um verdadeiro cocktail que apela ao consumo não só pelo aparente equilíbrio entre qualidade, design e preço mas acima de tudo pela atitude irreverente, positiva, alegre e apaixonada. Não pude resistir a sair de lá mais leve!

"Os portugueses têm muito que aprender com os brasileiros" - disse eu à Fernanda, deixando transparecer o carinho que tenho por aquele povo que está "de bem com a vida", apesar de tudo. Se calhar o inverso também é verdade, mas não posso deixar de sentir uma certa inveja por não sermos capazes de nos exprimirmos da mesma maneira que eles, sem as expressões que só com sotaque brasileiro fazem sentido.

Acho que aprendi realmente a viver com umas caipirinhas que bebi. Deram-me uma alma brasileira da qual já não abdico. Antes só "viajava na maionese". Agora sabe-me bem ouvir o fado assim, em português do Brasil, e cantá-lo com um sorriso nos lábios ainda que os olhos teimem em fechar.

3 de abril de 2009

Sapatos


Esboço sempre um sorriso quando penso no "Livro do Bebé" imaculadamente guardado em casa da minha mãe, junto a uma série de albuns fotográficos, autênticas relíquias nos dias que correm. Ajudam-me a avivar algumas lembranças da minha infância, verdadeiros tesouros, quando comparados com o que vou anotando em livros similares.

Ali pode ler-se por exemplo, que os meus brinquedos favoritos ainda antes do primeiro ano de vida eram: sapatos e a caixa de ferramentas. Não sei explicar a origem de tal preferência, mas se é verdade que com o passar dos anos as "ferramentas" foram dando lugar a acessórios da mais variada índole (culinários, de limpeza, de moda, beleza, médicos, terapêuticos) já o mesmo não se pode dizer relativamente aos sapatos. Essa paixão permanece e está para durar.



Não me considero uma fashion victim, uma esbanjadora ou uma consumista nata, mas a verdade é que sou capaz de resistir a tudo em termos de moda excepto a um par de sapatos que me encha as medidas. Sou uma observadora particularmente atenta ao tipo de calçado que as pessoas usam, e acredito que ele revela muito do carácter e personalidade de cada um.

No topo das minhas preferências estão: botas e sandálias. Elas assumem o meu elo de ligação à esfera terrestre, o principal ponto de contacto com o solo e, nunca é demais relembrar que apesar de tudo, bem ou mal, também os meus pés assentam no chão! De salto alto, bem alto de preferência, a cabeça fica ainda mais perto das nuvens, e assumo aqueles centímetros que a natureza teimou não me dar, como se da minha própria medida se tratasse. Não que seja baixa para a média, mas confesso, queria tanto ter crescido só mais 5 cm!